Este domingo, li uma notícia no
DN que me levou a escrever
este artigo.
Ontem, esta capa da revista Focus atraiu-me a atenção. Para além da capa, que acho infeliz, apesar de perceber que certamente ajudará as vendas, considero a escolha de palavras para a mesma igualmente infeliz: "Suicídio de Jovens - A Net Mata". Este tipo de título ajuda a perpetuar a ideia de que a Internet é um perigo, quando esta na realidade é inócua. A Internet, em si, não é boa, nem má. O tipo de uso que nós e os outros lhe damos é que pode ser perigoso. Mas OK. Tomo por barato que os jornalistas e até os leitores da Focus sabem que é assim. No entanto, a questão é, e todos aqueles que apenas vêm a capa exposta nos quiosques, e cuja literacia dá para pouco mais do que ler a capa, quanto mais usar a Internet? Mas provavelmente os filhos usam-na ou querem usar. Esta capa, voluntária ou involuntariamente, é mais uma "preciosa ajuda" para que esses pais não deixem ou não queiram que os seus filhos usem a Internet. Mas para além da foto e do título, os
bullet points que os acompanhavam, chamaram-me igualmente a atenção:
O interior prometia. Sobretudo a parte "sinais de alerta" e o "como evitar". Comprei. Desilusão. De uma peça com 9,5 páginas, 6 eram sobre "os casos". Duas páginas dedicadas à notícia de um caso nacional e outras 4 a casos passados no Brasil, Noruega, Irlanda do Norte, Inglaterra, França e Estados Unidos. Uma outra página dividia-se entre o fornecimento de dados estatísticos relativos à realidade portuguesa, uma caixa sobre a realidade noutros países, um texto sobre o documentário "A Ponte" que aborda o tema do suicídio e que esteve recentemente em exibição em Portugal. Uma outra página, sob o título "Medidas a Tomar - Como Controlar os Miúdos na Internet", sublinha as dificuldades das autoridades policiais em combater os conteúdos ilegais e nocivos na Internet e sentencia no parágrafo de abertura: "Cabe aos pais zelarem pela sua segurança"! Relativamente ao "como evitar", contei 14 linhas numa página a 3 colunas. Esta página inclui ainda uma caixa sobre o livro que está na base da notícia do DN que referi acima. A restante página e meia que perfaz as 9,5 páginas da peça, inclui, de facto, depoimentos de especialistas. Mas explica muito pouco sobre a identificação dos sinais de alerta. E acrescenta um caixa sobre "Famosos - Mortais e Imortais" e uma outra sobre "Suicídios - Técnicas Históricas".
Acho da máxima importância que os meios de comunicação social abordem os fenómenos relacionados com a exposição sexual de crianças e jovens através da Internet. O mesmo acontece relativamente à problemática do suicídio. E acho que estes temas não têm sido abordados convenientemente pela sociedade portuguesa. No seu todo. Por isso, quando tive a oportunidade de o fazer nos meios de comunicação social, em 2003, comecei a escrever sobre o assunto. Por isso, lancei o Projecto MiudosSegurosNa.Net em 2004. Por isso, sempre que solicitado, não deixo de colaborar com os média no que toca a este assunto. Acho que não deve haver assuntos tabu. E este foi, até há bem pouco tempo, um assunto quase tabu. Acho mesmo que os média podem desempenhar um papel educativo da maior importância. Sobretudo em Portugal, como atestam os resultados do último
Eurobarómetro dedicado ao tema. De facto, segundo este estudo, 68% dos pais portugueses cujos filhos usam a Internet sentem que precisam de mais informação sobre como proteger as crianças do seu agregado familiar de conteúdos e contactos ilegais ou nocivos na Internet. Destes, 33% gostaria de receber essa informação pela TV, rádio e jornais. Será preciso dizer mais?!
Agora, essa informação tem de ser fornecida de forma responsável. Sobretudo quando o tema abordado é o suicídio. E aí sou de opinião que abordar estes temas da forma como o DN e a Focus o fizeram é contraproducente. Sobre a abordagem do DN, já me referi no artigo "
Os Média e a Segurança de Crianças e Jovens na Internet". Já o tinha acabado de escrever quando vi a Focus. Daí esta entrada no blogue. À Focus e a todos os jornalistas potencialmente interessados em abordar o tema do suicídio, seja na Net ou fora dela, deixo duas referências que podem ser úteis:
Documento com 10 páginas, publicado em 2000 pelo Departamento de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde e que está disponível em português no
site da
Sociedade Portuguesa de Suicidologia Documento com X páginas, publicado pela Sociedade Portuguesa de Suicidologia no seu website
O tema não é fácil, reconheço. É algo com que pontualmente também me confronto quando escrevo. Assim, ao referir-me de forma crítica à abordagem adoptada por estes dois meios de comunicação social a dois temas delicados, não pretendo que os assuntos não sejam abordados. Bem pelo contrário. Devem ser abordados. Até pela sua importância e relevância social. Mas por isso mesmo é importante que o sejam de uma forma cuidadosa. Assim, a minha intenção é, sobretudo, que os temas sejam tratados pelos média, levando em linha de conta o que é referido no guia que indico acima: "Os média possuem um papel importante na sociedade contemporânea fornecendo uma vasta gama de informações de formas diversas. Influenciam fortemente as atitudes, crenças e comportamentos nas comunidades, e têm um papel importante na prática política, económica e social. Devido a esta influência, os média podem também possuir um importante papel na prevenção". Seja do suicídio, seja de outra coisa qualquer. E a este propósito, acho que estes dois casos atestam a necessidade de se produzir um guia que ajude os profissionais de comunicação social a tratar este tipo de matérias. Aqui ficou o pontapé de saída. Se desejar juntar-se a este esforço, não deixe de me contactar.
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